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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Interessante não?!?_Tentáculos urbanos


Passarela sobre a Avenida 23 de Maio, São Paulo. Arquiteto Vilanova Artigas
Foto: Nelson Kon

Tornou-se um lugar comum na literatura. Aquela metáfora da ponte que vence abismos; que liga dois pontos distantes; ou que une pessoas, alimenta páginas e mais páginas beirando um romantismo burlesco, quase nostálgico.

Lugar incomum mesmo são as novas passarelas que estão surgindo em São Paulo. Funcionais, elegantes, concisas e, porque não, democráticas, rasgam a cidade de forma tenra. Dão continuidade a uma tradição evidenciada por obras dos irmãos Badra, Oscar Niemeyer e Vilanova Artigas, desde a década de 1950.

Exclusivas para pedestres, as passarelas são mais discretas que as pontes e viadutos (destinados para automóveis), mas cumprem um dever urbanístico tão ou mais importante quanto o deles.

Funcionam de maneira simples. Equivalem a tentáculos que se estendem das calçadas por sobre as ruas. Vencem um obstáculo cotidiano ao cidadão, o carro, e lhe garante a segurança do ponto de origem ao seu destino. Fração de um trajeto mais longo, ascendeu de mero suporte viário à posição de destaque, pois superou a trivial obrigação da mobilidade recuperando o espaço público (ao público).

Seja das Noivas, de Associação de Amigos ou trazidas desmontadas da Inglaterra, as passarelas de São Paulo comprovam um rico repertório de como elas se tornaram essenciais para a dinâmica da cidade. Mesmo para as funções mais inusitadas.

É comum encontrar, às portas do Parque do Ibirapuera ou no acesso do Aeroporto de Congonhas, ambulantes aproveitando-se do grande fluxo das entradas e saídas de suas rampas e escadas. Instalam ali, às suas margens, barracas, tendas e bancas. É a arquitetura vernácula abrigando a arquitetura provisória, popular.

As tecnologias são variadas. Umas são cobertas, de madeira e ecológicas. Com formatos diferenciados, transformam-se em marcos e, não raras vezes são utilizadas como estratégia de marketing de um banco ou de um hotel de luxo.

Outras são de metal. Penduradas por cabos, suportadas por vigas treliçadas ou estruturadas por mastros de aço córten, vão além de sua finalidade. São verdadeiras esculturas plantadas no tecido urbano.

As de concreto moldam-se através de uma plasticidade inerente ao próprio material. São livres de pilares, acompanham o movimento da cidade. Monolíticas, formam verdadeiros pórticos em grandes avenidas.

Essas passarelas resultam de uma criatividade, digamos funcional. São regidas por cálculos rigorosos que lhe dão leveza, além de implantação lógica que encurta distâncias. Operações matemáticas que ficam embutidas nas suas belas estruturas, essas sim a essência formal desse passeio.

As rampas, geralmente localizadas nos seus extremos, seguem uma cartilha metódica. Uma inclinação não muito acentuada a ponto de impossibilitar o acesso de cadeirantes, nem muito suave que transforme uma simples subida em interminável caminhada. Com relação diretamente proporcional entre altura e distância, essas rampas substituem as escadas e permitem o acesso universal.

Concebidas como um artifício engenhoso a fim de vencer obstáculos e garantir segurança ao pedestre, essas passarelas alçaram novas funções. São concebidas na escala do cidadão, e não mais do automóvel. São acessíveis ao pedestre, devolvendo-lhe a cidade roubada pelas grandes avenidas e pela era da velocidade. Convidam-nos a um passeio mais calmo e prazeroso que sempre existiu, mas que ficou legado ao risco do atropelamento.

Essas passarelas constituem, por natureza, uma rede transversal ao viário. Definem uma nova lógica e uma nova perspectiva. Possibilitam ao usuário a visão panorâmica do seu entorno olhando a cidade de cima. Sem desgrudar do chão, eleva a condição de mero transeunte à de cidadão. Essa sim, uma nova metáfora urbana a ser contada.

nota

NE
Publicação original do artigo: TAVARES, Jéferson. Tentáculos urbanos. Revista da Folha, n. 877, ano 17, seção Urbe. São Paulo, Folha de São Paulo, 2 ago. 2009.

sobre o autor

Jeferson Tavares, arquiteto e urbanista pelo IAU-USP, professor de Urbanismo na FIAM-FAAM/FMU.

Fonte: Revista Vitruvius

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