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terça-feira, 6 de julho de 2010

Dicas Práticas_ Mente quieta, coração tranquilo

Medicina rende-se à meditação e estudos comprovam seus efeitos benéficos na manutenção da saúde

Por Patrícia Ribeiro
Revista Prana Yoga
Maio de 2007

HÁ TEMPOS QUE a medicina estuda os efeitos terapêuticos da meditação. Médicos e cientistas do mundo todo fazem pesquisas sobre o funcionamento do cérebro durante o estado meditativo e como usar esses resultados em tratamentos de saúde e na medicina preventiva. Para se ter uma idéia, uma busca na Biblioteca Pública de Medicina dos Estados Unidos mostra mais de 1.300 estudos sobre o tema. Mas nem sempre foi assim. Muitas vezes confundida com religião e misticismo, a meditação era vista pela comunidade médica e por leigos como uma prática esotérica e uma realidade distante das pessoas comuns. Mas a partir dos anos 70, a meditação realmente entrou pela porta da frente dos laboratórios das universidades ocidentais. Em 1971, o pesquisador Robert Keith Wallace publicou um estudo sobre os efeitos positivos da prática no Jornal Americano de Fisiologia. Em fevereiro de 2006 houve um grande avanço, pois o NCCAM (Centro Nacional de Medicina Complementar e Alternativa)
- órgão ligado ao NIH (Instituto Nacional de Saúde), responsável pelas pesquisas de saúde do governo do EUA – reconheceu a meditação como tratamento complementar a ser usado junto com os tratamentos médicos convencionais.

No Brasil
Seguindo a tendência mundial, não demorou muito para que o mesmo acontecesse por aqui. Em maio de 2006, o Ministério da Saúde baixou uma portaria incentivando os hospitais e postos de saúde a oferecerem a meditação para os pacientes. Hoje, várias unidades de saúde disponibilizam essa opção na rede pública. Só na cidade de São Paulo, o serviço está disponível em 45 órgãos do Sistema Único de Saúde (SUS). O número ainda pequeno já é um grande progresso. No Brasil, os efeitos da meditação em casos de ansiedade é um dos temas pesquisados pela ciência, embora os estudos ainda sejam muitos escassos. O pioneiro nessa área é José Roberto Leite, do Departamento de Psicobiologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que desenvolve pesquisas sobre o controle da ansiedade e depressão com o uso da meditação desde o final dos anos 90, quando trouxe um grupo de meditadores hindus para a universidade.

Em 2002, a bióloga e pesquisadora do departamento Elisa Harumi Kozasa ensinou voluntários com altos níveis de ansiedade práticas de exercícios respiratórios e meditação do Siddha Samadhi Yoga. Depois de três meses, a conclusão é que o grupo teve uma queda expressiva da ansiedade, melhora nos níveis de atenção e de agilidade motora. O psicólogo e coordenador da unidade de medicina comportamental do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, José Roberto Leite, continuou a fazer pesquisas e a oferecer essa técnica aos pacientes com problemas como depressão e estresse e hoje também para hipertensos e idosos. “Sabemos que a meditação altera o padrão das endorfinas, hormônio que reduz o estresse, promove a sensação de bem-estar, auxilia no combate das dores e reduz o nível do cortisol - neurônio ativado em situações de alerta, que quando é produzido em excesso vai para a corrente sangüínea e destrói os glóbulos brancos – mas o nosso conhecimento sobre o funcionamento em algumas áreas do cérebro durante a meditação ainda está engatinhando”, afirma.

Avanços nos Estudos
Pesquisadores estudam os efeitos da meditação nas mais diversas condições: ansiedade, dores, depressão, auto-estima, estresse, insônia, disfunções alimentares, diabetes, artrite reumatóide, doenças coronarianas, só para citar algumas. Busca pelo bem-estar, paz interior, saúde, equilíbrio, conexão com um ser superior são alguns dos motivos que levam as pessoas a meditarem, mas os benefícios vão além. Em um dos primeiros estudos importantes sobre os benefícios da meditação, o conceituado pesquisador Robert Keith Wallace da
Universidade de Harvard analisou 36 meditadores e descobriu que durante a prática meditativa, eles tiveram diminuição da freqüência cardíaca, respiração mais lenta, menor consumo de oxigênio, menor eliminação de dióxido de carbono, diminuição da condutância elétrica da pele, que indica estado de relaxamento e ampliação da intensidade das ondas alfa.

Em outras palavras, a prática meditativa diminui o estresse, o grande vilão da vida moderna causador de várias doenças, por isso que há tanto interesse em aplicar a meditação em diferentes enfermidades relacionadas direta ou indiretamente com o estresse. Outro estudo publicado em 2004 pelo pesquisador Keneth Walton na revista médica norte-americana Cardiology in Review demonstrou que, entre os meditadores, há maior tendência a controle adequado da pressão arterial; menor uso do álcool e fumo; melhor controle do colesterol e redução da ansiedade. Na conferência Anual de Neurologia de 2005 nos Estados Unidos foi apresentado um estudo em que Sara Lazar, neurologista da Escola de Medicina de Harvard (EUA), comparou o cérebro de 20 americanos que praticavam meditação com o de outros 15 que não meditavam e concluíram que a meditação estimula a concentração e retarda o envelhecimento do cérebro. Além disso, já está demonstrado que quem pratica meditação regularmente tem uma melhora na concentração.

Segundo a psiconeuroimunoendocrinologia, maus pensamentos podem gerar doenças

O estudo revelou por meio de ressonância magnética que as regiões cerebrais onde se concentram a atenção e as emoções eram mais espessas entre os que meditavam. Os resultados indicam que a meditação pode gerar nos adultos modificações de algumas regiões do córtex cerebral importantes para as funções cognitivas, as emoções e o bem-estar. Um dos mais conceituados pesquisadores dos efeitos dos estados mentais sobre a saúde Herbert Benson, que dirige o Instituto de Medicina Mente-Corpo do Hospital Geral de Massachusetts (EUA), tem vários estudos que comprovam que exercícios de relaxamento e de meditação aumentam a produção de óxido nítrico no corpo, responsável pela taxa metabólica e que atua diminuindo a taxa de cortisol no sangue.

Poder do Pensamento
Atualmente, existe uma área da medicina chamada psiconeuroimunoendocrinologia que estuda a relação dos pensamentos e o sistema endócrino, que, conseqüentemente, influencia o sistema imunológico. Segundo essa ciência, maus pensamentos podem gerar doenças. A lógica é a seguinte: o pensamento é produzido no córtex pré frontal, que emite projeções para o sistema límbico, local onde são geradas as emoções. Se o pensamento provocar uma emoção, o hipotálamo é ativado. Está área do encéfalo liga o sistema nervoso ao sistema endócrino, ou seja, às nossas glândulas. Se o pensamento emitido for negativo, a hipófise (glândula ativada pelo hipotálamo) vai comandar uma cascata de liberação hormonal destinada a preparar o indivíduo para essa situação reconhecida pelo cérebro como nociva ao organismo. Um dos hormônios liberados é o cortisol, que entre outras coisas prepara o corpo para uma fuga ou uma luta, concedendo a ele maior disponibilidade de recursos energéticos. Contudo, depois de um ciclo contínuo de liberação de cortisol na corrente sangüínea, o sistema imunológico acaba se enfraquecendo gerando doenças relacionadas ao estresse. “Quando você medita, muitos pensamentos vão deixar de existir, a autocobrança diminui, assim como a quantidade de pensamentos ruins, desse modo, você fortalece o sistema imunológico e tem menos risco de ficar doente”, explica Marcello Árias, pesquisador, fisiologista, mestre em farmacologia e um dos autores do livro Neurofisiologia da Meditação (ed. Phorte) junto com Roberto Serafim Simões.

Assim como o organismo reage em uma situação de estresse, também reage a uma situação em que a mente está relaxada. Quando se medita um hormônio chamado arginina-vasoprecina, que melhora a memória, é liberado na corrente sangüínea e uma região do cérebro chamada hipocampo, responsável pela concentração, que fica no sistema límbico, fica bastante ativada. Quando ocorre uma atividade cerebral intensa como, por exemplo, aprender uma língua ou tocar um instrumento e até mesmo aprender a meditar, as conexões entre os neurônios tornam-se mais fortes. O importante não é quantidade de neurônios, mas mantê-los ativos, o que pode aumentar a capacidade intelectual e a memória. Por isso muitos cientistas da área de neurociências e da psiconeuroimunoendocrinologia estudam e tentam comprovar se os padrões de pensamento podem influenciar na saúde e na sensação de felicidade. “Por exemplo, se a pessoa vive com pensamentos negativos do tipo ‘vivo doente’, ‘nunca vou conseguir aquele emprego’, o cérebro vai acabar assimilando esse padrão de pensamento. Se você treina a sua mente para pensar coisas boas durante muito tempo, esse padrão vai remodelar o cérebro de modo que ocorram novas conexões entre os neurônios e a atividade da área de emoções aumenta”, diz Marcello Árias.

Como funcionam as Onda Cerebrais
O psicólogo Leonardo Mascaro, mestre em Neurociências e meditador há mais de 20 anos, trabalha com o tema em seu consultório. Segundo ele, as ondas cerebrais correspondem ao número de pulsos (pacotes de informação) que um neurônio – ou grupo de neurônios – emite por segundo. Chamamos a isso de ciclos e medimos quantos desses trens de informação são emitidos a cada segundo, o que nos dá a freqüência, medida em Hertz (Hz). No cérebro, esses agrupamentos de células nervosas podem chegar às centenas de milhões agindo sincronicamente, em uníssono. Basicamente, beta, (acima de 14 Hz) que está associada com a atividade consciente racional, ou seja, o estado de vigília, quando estamos acordados. Alfa (de 9 a 13 Hz), que responde pelo estado de relaxamento e relaxamento profundo, que produz ondas alfa de alta amplitude, com maior produção de imagens; ondas teta (de 4 a 8 Hz), relaxamento profundo e meditação, em que o material subconsciente de nossas mentes ganha conteúdo e significado, é um estado de sonolência ou “sonhar acordado”. E, por último, delta (abaixo de 3 Hz), que é o tipo de onda do sono profundo, sem sonhos. Essa onda, quando é produzida em maior intensidade na vigília, responde pelas funções da percepção intuitiva – nosso “radar” – e empatia, sendo, neurologicamente falando, o repositório de nosso inconsciente de fato.

Mapeamento Cerebral, os Monges e Nós
Especialistas fazem mapeamento cerebral há décadas, mas foi somente nos anos 90 que a ciência deu um grande salto devido ao avanço da tecnologia. Se antes havia somente o eletroencefalograma para medir as ondas cerebrais, hoje, a ressonância magnética e a tomografia computadorizada mapeiam certas regiões do cérebro com mais riquezas de detalhes. Atualmente, é muito mais fácil observar e entender o funcionamento do cérebro e suas funções durante o estado meditativo. Um dos principais pesquisadores dessa área é Richard Davidson, da Universidade de Wisconsin-Madison. Desde de 2001, ele realiza pesquisas em conjunto com o Instituto Mente e Vida, dirigido por Dalai Lama. Davidson investigou e comparou a atividade eletroencefalográfica de monges budistas tibetanos com um grupo que não meditava, mas que foram treinados uma semana antes da experiência.

Durante a meditação foi detectado o aparecimento de ondas cerebrais de grande amplitude, conhecidas como ondas gama (27 Hz em diante) nos exames dos monges. Esse tipo de onda só foi encontrado em praticantes que tinham em seu currículo uma média de 50 mil horas de prática meditativa e elas mostram uma grande concentração de atividade de neurônios. E depois da prática de meditação dos monges, as ondas gama continuavam presentes no cérebro deles. Esse estudo serviu para comprovar os efeitos terapêuticos da meditação e para mostrar a diferença entre o cérebro de uma pessoa normal e o cérebro de quem trabalha a mente muitas horas por dia, ou seja, mesmo não quando não estão em meditação, os monges estão extremamente focados, vivendo o presente. “Por isso as pessoas que meditam diariamente por muito tempo são mais concentradas. É como um exercício físico, se você praticar mais, os benefícios serão maiores e mais rápidos. Não precisa ser um monge budista, mas um treino diário na mente é necessário”, conclui Marcello Árias. Segundo ele, as ondas gama não são mostradas na literatura médica porque é um padrão muito raro de acontecer, que só aparece nos exames de pessoas que treinam muito o cérebro.

Definição Científica
Atualmente, já existe uma terminologia científica que define a meditação. O médico obstetra e pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Roberto Cardoso, autor do livro Medicina e Meditação (MG Editores), publicou essa definição na Brain Research Protocols, um dos maiores grupos de revistas de neurociências do mundo: “é um método auto-induzido que utiliza uma técnica específica, incluindo um artifício de autolocalização também chamado de âncora, utilizando o ‘relaxamento da lógica’ e levando a um relaxamento psicofísico”. Uma outra definição mais simples é: a pessoa se utiliza de uma técnica com um foco que pode ser um mantra, respiração, imagem ou movimento específico para focar a mente e parar de produzir pensamentos.

Essa é apenas uma das definições, mas existem outras, dependendo da tradição e da técnica meditativa. Essa definição baseou-se em mais de 60 técnicas advindas de quase 30 diferentes correntes místico-filosóficas. “Essa é exatamente a nossa preocupação: evitar que cada um dê um conceito e aplique a meditação de diferente forma, chamando de meditação técnicas que podem ser biofeedback, relaxamento, concentração, imaginação criativa, etc.”, afirma o médico. Porém, não confundir meditação com relaxamento, pois meditar é praticar um exercício mental de atenção focada, isto é, concentrar-se em alguma coisa.

O psicólogo Leonardo Mascaro utiliza em seu consultório, em São Paulo, o Mind Mirror, um equipamento de eletroencefalograma desenvolvido para permitir correlacionar estados de atividade cerebral com os estados de consciência correspondentes. Mascaro mede as ondas cerebrais com o Mind Mirror para ajudar os pacientes a aprenderem a produzir o padrão de atividade cerebral da meditação e utilizá-lo no trabalho terapêutico e melhorar a qualidade de vida ou mesmo algum aspecto específico como, por exemplo, a capacidade de se relacionar afetivamente.

“Eu posso verificar o estado de consciência em que a pessoa provavelmente se encontra no momento que estou conduzindo a sessão e, desse modo, posso auxiliar a pessoa, dando feedback sobre suas leituras cerebrais e orientando- a enquanto medita, a isso chama-se meditação por biofeedback. O psicólogo também estuda e desenvolve um sistema inédito de treinos para o cérebro para que a própria pessoa possa controlar a atividade cerebral, e pretende lançar um livro sobre o tema. Apesar de os benefícios comprovados da meditação, Mascaro alerta que nem todos conseguem aprender a técnica e usufruir seus efeitos. “Muitas pessoas não alcançam o mesmo nível de experiência que outras. Não existe um caminho único e cada pessoa deve, de fato, buscar um caminho interior de autoconhecimento e mudança de maneira adequada, com orientação, para garantir uma experiência positiva e enriquecedora”.

Todos os especialistas entrevistados são unânimes ao afirmar que para trazer resultados, são necessárias disciplina e prática diária de 15 a 20 minutos. O coordenador da área de Medicinas e Práticas Complementares de Saúde da Secretaria da Saúde de São Paulo, Mário Sebastião Fiel, ressalta: “se nós tivéssemos disciplina de parar todos os dias por 15 minutos para olharmos para dentro, teríamos vários insights, mas é preciso ter paciência e persistência. Você tem de estar disposto a se conhecer e a fazer mudanças, pois sem força de vontade e manutenção do hábito, a meditação não faz efeito”.

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